O Supremo Tribunal Federal (STF) está diante de uma importante decisão sobre a constitucionalidade do regime de separação obrigatória de bens em casamentos de maiores de 70 anos e sua aplicação em uniões estáveis. Este artigo analisa o contexto desse caso, os precedentes jurídicos relevantes e as implicações sociais dessas restrições legais, à luz do envelhecimento da população e da evolução das concepções familiares e legais no Brasil.
O STF está programando uma decisão crucial em relação ao regime de bens em casamentos e uniões estáveis de pessoas com mais de 70 anos. O Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1.309.642 despertou atenção devido à sua relevância constitucional e ao reconhecimento da repercussão geral em setembro de 2022. O artigo 1.641, II, do Código Civil de 2002, que impõe a separação de bens nesses casos, é o ponto central da controvérsia.
O Código Civil de 1916 estabelecia a separação total de bens para maiores de 60 e maiores de 50 anos. Essa disposição refletia a expectativa de vida média no Brasil em 1900, que era de apenas 30 anos. Naquela época, atingir a idade prevista na lei era excepcional e indicava que a pessoa estava vivendo mais que o dobro da média da população.
O aumento da expectativa de vida (atualmente 75,9 anos) e a transformação nas concepções de família, que passaram de uma unidade econômica para uma baseada no afeto, destacam a sociedade moderna. O reconhecimento de uma ampla variedade de formas de famílias, como famílias matrimonializadas, informais, monoparentais, reconstituídas, homoafetivas, multiparentais, entre outras, é congruente com o princípio constitucional da diversidade de arranjos familiares.
Desafios à Autonomia e Igualdade:
O Código Civil de 2002 elevou a idade da previsão para 70 anos e eliminou a distinção de gênero, mas manteve restrições à autonomia de escolha do regime de bens em “casamentos tardios”. Isso parece contraditório com a Emenda Constitucional de 2015, conhecida como “PEC da Bengala,” que aumentou a idade de aposentadoria compulsória para servidores públicos para 75 anos, ao invés dos anteriores 70 anos.
A legislação constitucional reconhece que a maioria dos indivíduos pode trabalhar até os 75 anos. No entanto, impor restrições à escolha do regime de bens em casamentos após os 70 anos parece contrariar a tendência geral de empoderamento do indivíduo em sua vida e relacionamentos.
O caso em análise pelo STF não se trata apenas de um debate jurídico, mas também reflete as mudanças sociais e demográficas do Brasil. A decisão a ser tomada impactará não apenas casais que desejam se casar após os 70 anos, mas também o entendimento do envelhecimento ativo e da autonomia na sociedade. À medida que a sociedade avança, é crucial equilibrar a proteção dos idosos com a garantia de sua autonomia e liberdade de escolha, especialmente quando se trata de questões tão pessoais como a configuração de seus relacionamentos matrimoniais.